O SURGIMENTO DOS CURSOS DE BIOMEDICINA NO BRASIL
 
Ismar Araújo de Moraes e Ana Luiza Tavares Machado
2023
 

         A história da biomedicina começa a ser escrita em 11 de novembro de 1950 pelo médico e professor José Leal Prado de Carvalho durante a Segunda Reunião Anual da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), num simpósio sobre seleção e treinamento de técnicos, em Curitiba no Paraná. Esse evento tradicional onde há participação de representantes de sociedades científicas, autoridades e gestores do sistema nacional de ciência e tecnologia, permitiu ao Professor Leal Prado apresentar a ideia da criação de um curso com o perfil de Ciências Biomédicas e discuti-la entre os participantes. (HADDAD e cols., 2006)

         O Prof. Leal Prado era médico, químico e professor e havia atuado na década de 40 na seção de Endocrinologia do Instituto Butantan, em São Paulo, até ir para a Escola Paulista de Medicina em 1947. Ele defendeu a ideia de que a medicina necessitava do doutor para curar os pacientes, portanto focados no atendimento aos doentes, mas que a Medicina sem a pesquisa não evoluiria (GODINHO e cols., 2022). Haddad e cols. (2006) apontam que na ocasião a aparelhagem necessária para as tarefas que implicavam no apoio à medicina se tornava cada vez mais complexa, com substituição por equipamento mais aperfeiçoados ocorrendo em prazos cada vez menores, devendo os encarregados desses trabalhos, não serem simples operadores que desconhecessem os fundamentos científicos do que estavam realizando, mas profissionais com formação adequada e com essas características.

         Contudo, pretendia-se a criação de um novo campo de atuação, focado na docência e na pesquisa, onde os novos profissionais, pudessem atuar como professores nas matérias básicas da saúde nas faculdades de Medicina e Odontologia e que tivessem conhecimento para auxiliarem pesquisas nas áreas de ciências aplicadas para então liberar os médicos-professores para atenderem aos pacientes. (HADDAD e cols., 2006; GODINHO e cols., 2022).

         A ideia de criação de um Curso de Biomedicina levada na Reunião da SBPC em novembro de 1950 prosperou, e já em dezembro de 1950, foi convocada uma reunião pelos professores Leal Prado e Ribeiro do Vale para discutir o assunto. Nesta reunião participaram representantes da Escola Paulista de Medicina, da Universidade de São Paulo, do Instituto Butantã e do Instituto Biológico e foi aprovada a ideia de criação de um curso de Biomedicina (HADDAD, e cols., 2006).

         No contexto do surgimento dos cursos de Biomedicina no Brasil, um fato relevante foi a Publicação da Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961 com as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que serviu de base para a elaboração e aprovação de um novo regimento da Escola Paulista de Medicina (HADDAD, e cols. 2006, GODINHO e cols., 2022), atual UNIFESP, que havia sido federalizada pela LEI No 2.712, DE 21 DE JANEIRO DE 1956 (EPM, 2021). Neste novo regimento previa-se, no capítulo III, a organização de um curso de Graduação Biomédica e, no capítulo IV, que trata dos cursos de pós-graduação, estabelecia-se a criação do curso de doutorado em Ciências Biomédicas, não somente para os graduados em Ciências Biomédicas, como para egressos de outros cursos de graduação, a juízo do Conselho Departamental da instituição (HADDAD, e cols. 2006).

         Nesta ocasião, convicto de que existia um mercado nacional para tais especialistas, o Conselho Departamental da EPM tratou de obter condições para colocar em funcionamento cursos de graduação, mestrado e doutorado em Ciências Biomédicas que, em linhas gerais, se destinariam à preparação de especialistas, pesquisadores e docentes neste campo das ciências, podendo ao término da graduação de 4 anos, também seguir carreira não-universitária, e atuar em indústrias de fermentação, alimentação, farmacêutica, laboratórios de análises biológicas e de controle biológico, institutos biológicos e laboratórios de anatomia patológica (HADDAD, e cols. 2006).

         O Conselho Federal de Educação atendendo à solicitação de várias escolas médicas do país, fixou o Parecer nº 571/66 e, posteriormente complementou com o Parecer no 107/70, de 4 de fevereiro, estabelecendo por estes instrumentos o conteúdo mínimo e a duração dos currículos de bacharelado em Ciências Biológicas – Modalidade Médica, exigível para admissão aos cursos de mestrado e doutorado no mesmo campo de conhecimento, a serem credenciados por este órgão (HADDAD, 2006).

         De acordo com este parecer, ficaram determinadas as atividades nos trabalhos laboratoriais aplicados à Medicina, existindo, de outra parte, amplo mercado de trabalho para pessoal cuja formação incluiria sólida base científica, comportamento e espírito crítico amadurecidos, de preferência no convívio universitário, capazes de dedicar-se à realização de tarefas laboratoriais vinculadas às atividades médicas (HADDAD, 2006). A formação desses profissionais, de acordo com o parecer, seria, portanto, complexa e profunda, devendo deixar os bancos da faculdade com amplos conhecimentos científicos e atuação voltada para a pesquisa e à docência (GODINHO, e cols., 2022).

         Segundo Godinho e cols. (2022) foram tomadas as precauções necessárias para que ele não se confundisse com o curso de Biologia, que já existia em outras instituições de ensino no Brasil. Isso seria um prenúncio da longa luta que os futuros biomédicos teriam de travar com outras profissões que se sentiram “invadidas” por uma nova classe de profissionais.

         Finalmente, já tendo sido aprovado o novo Regimento da Escola Paulista de Medicina pelo Conselho Federal de Educação em 8 de julho de 1965, assim como o parecer 576/1966, houve a implantação do primeiro curso na Escola Paulista de Medicina em março de 1966, com aula inaugural ministrada pelo Professor Leal Prado, quase 16 anos após a apresentação inicial da ideia (HADDAD e cols., 2006). Naquele mês de março, entraram em sala os professores Leal Prado e José Ribeiro do Valle para conhecerem os primeiros 10 alunos do primeiro curso do gênero no país, que havia acabado de ser criado naquela instituição (GODINHO e cols., 2022).

         Sucessivamente, novos cursos, então com os nomes de Ciências Biológicas – Modalidade Médica ou Biologia Médica tiveram início no Brasil. Em 1967 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, atual UNESP. Em 1968 na Universidade Federal de Pernambuco. Em 1970 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Barão de Mauá, (atual Centro Universitário Barão de Mauá), em Ribeirão Preto. Esses cursos, criados entre 1965 e 1970, tiveram seus alunos egressos rapidamente absorvidos nas disciplinas básicas de suas próprias faculdades, ou então em outras escolas de medicina públicas ou particulares (HADDAD e cols., 2006). Em três anos, a profissão saiu do zero para quatro escolas, um salto gigantesco segundo Godinho e cols. (2022).

         O ano de início dos primeiros cursos de Biomedicina brasileiros assim como as respectivas Instituições de Ensino Superior e localidades estão elencadas no quadro a seguir.

Ano de Início
Instituição de Ensino Superior
Localidade
1966
Escola Paulista de Medicina – EPM, atual UNIFESP
São Paulo-SP
1967
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Rio de Janeiro-RJ
1967
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)
Ribeirão Preto-SP
1967
Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, atual UNESP.
Botucatu-SP
1968
Universidade Federal de Pernambuco.
Recife-PE
1970
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Barão de Mauá, (atual Centro Universitário Barão de Mauá),
Ribeirão Preto-SP
1971
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Belém-PA
1971
Organização Mogiana de Educação e Cultura (OMEC), atual Universidade de Mogi das Cruzes
 
Mogi das Cruzes-SP

 

 

Referências:

 UNIFESP. Universidade Federal do Estado de São Paulo. Biomédico: uma profissão a serviço da saúde. 2020. Disponível em: https://sp.unifesp.br/epm/ultimas-noticias/biomedico-uma-profissao-a-servico-da-saude Acesso em: 28 jul 2023

 GODINHO, I.U.; CAMPOS, D.E.L TEIXEIRA, J.E.C.; MACHADO , S.A; CECHI, S.J. DNA de Luta História da Regulamentação da Biomedicina. Contato Comunicação, 2022. 144p. Disponível em: https://cfbm.gov.br/wp-content/uploads/2022/07/LIVRO-DNA-DE-LUTA.pdf Acesso em 01 out. 2023

 HADDAD, A.E. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004 / Organizadores: Ana Estela Haddad … [et al.]. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006. 15 v. : il. tab. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Texto_de_Referencia.pdf Acesso em: 01 out. 2023

 EPM. Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. Departamento de Medicina. História da Fundação à Federalização da Escola Paulista de Medicina (EPM) documentada. 2021. Disponível em: https://sp.unifesp.br/epm/medicina/informes/historia-da-fundacao-a-federalizacao-da-escola-paulista-de-medicina-epm-documentada Acesso em: 30 set. 2023.

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